quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Jânio – entre a vassoura e a espada


Agosto é um mês que costuma ser complicado para a política brasileira. Como já foi relatado aqui no blog antes, foi a época do suicídio de Getúlio Vargas. Mas também ficou marcado pela renúncia de Jânio Quadros, em 1961 e consequente “campanha da legalidade”, em prol da posse do vice, João Goulart. De acordo com sua carta de renúncia “forças terríveis” o teriam levado a fazer isso. Mas que “forças” foram essas que levaram um presidente a se afastar do cargo sete meses após sua posse?
Jânio em campanha:
o modo desleixado de
se vestir e se portar era
proposital
            Para responder a esta pergunta é importante entender o contexto político do Brasil na época e a trajetória de Jânio Quadros. O governo anterior, JK, havia onerado muito as contas públicas. Seu partido, o PSD, fundado por Vargas tinha tanto a oposição do PTB, também fundado por Vargas, como da UDN, ligado a elite antivarguista. Ainda que correspondesse aos setores de uma classe média e alta, o governo JK não agradou tanto assim as classes baixas brasileiras. A prática do nacional-desenvolvimentismo que atraiu a indústria automobilística estrangeira; levou à construção de uma nova capital, Brasília e rompeu com o FMI, parece não ter atingido positivamente toda a nação brasileira.
            Jânio ascendeu na política de maneira rápida. Em 1947 assumiu o mandato de vereador em São Paulo pelo Partido Democrático Cristão (PDC). Um ano depois se elegeu deputado estadual pela mesma legenda. Em 1953, vence as eleições para a prefeitura de São Paulo, pelo mesmo PDC, sem o apoio de nenhum dos grandes partidos da época – UDN, PTB, PDS. Demagogo e populista, no sentido pejorativo da palavra, chega ao governo do estado paulista, dessa vez pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). Jânio parece se aproveitar muito mais das oportunidades que lhe surgem do que de uma rede de relações, como era de praxe, para crescer no campo da política nacional. Desse modo, utilizou brechas e falhas do governo de Kubitschek na sua campanha para a presidência em 1960.
            Com a vassoura como símbolo, Jânio prometia varrer a corrupção do Brasil: “varre, varre vassourinha/ varre, varre a bandalheira/ que o povo está cansado de sofrer dessa maneira/ Jânio Quadros é a esperança dessa gente brasileira”, dizia a música de sua campanha. Com o apoio da UDN, a candidatura de Jânio despertou simpatia tanto da elite antivarguista, como pela classe média, que ansiava pela moralização dos costumes políticos, como pelas classes baixas prejudicadas pelo elevado custo de vida. Seu opositor, o marechal Henrique Teixeira Lott, do PTB, foi abandonado por setores do próprio partido, que preferiram apoiar Jânio junto de João Goulart, dando origem aos comitês “Jan-Jan” (na época, o presidente e o vice eram eleitos separadamente). Veja abaixo um vídeo de campanha de Jânio:
Agora escute a música da campanha de Jânio Quadros, da "vassourinha":
 
            Jânio até tinha certo carisma, mas não da mesma maneira de Vargas ou JK. Se o carisma desses dois era marcado pela habilidade de transitar entre diversos meios sociais, simbolizado pelo sorriso e simpatia de ambos, Jânio o tinha através do pastiche. Em comícios, tinha um visual propositalmente desgrenhado, comia sanduíches tirados do bolso, tinha caspa nos ombros. Na verdade não chegava a ser “populista”, mas “popularesco”. Ao mesmo tempo, não se propunha a conciliar as classes e partidos, mas colocar-se acima destes.
            O governo de Jânio foi confuso e ambíguo. Ficou mais conhecido por decisões esdrúxulas como as proibições do biquíni nas praias, das rinhas de galo e do uso do lança-perfume nos bailes de carnaval. Ou seja: um conservadorismo tacanha, bobo. A administração foi desastrosa, os ministros tornaram-se meros executores de ordens, dadas através de bilhetes. Na verdade, por trás dessa “tacanhice”, escondia-se um viés autoritário e um descrédito pelas instituições democráticas como o Congresso.
            Quando assumiu em 1961, quebrou a aliança com a UDN e se propôs a governar sozinho, sem depender de partidos. Alguns historiadores chamam isso de bonapartismo, governar acima da política e do Estado, tal qual o estadista francês Napoleão Bonaparte. Com isso, acabou angariando a antipatia de diversos setores do país. No campo econômico, tratou de tentar estabilizar a economia, cortando gastos públicos. Mas ao cortar subsídios para a importação de trigo e petróleo, o preço dos derivados desses produtos disparou.
Jânio Quadros com Che Guevara:
a Política Externa Independente era
ambígua, mas oportunista.
            A política internacional também foi bastante dúbia. Ao mesmo tempo em que reatou com o Fundo Monetário Internacional (FMI), entregou a mais alta honraria concedida para estrangeiros, a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, para o então ministro cubano Ernesto “Che” Guevara, ídolo da esquerda. Dizia compactuar com a PEI (Política Externa Independente), que propunha uma situação em que não fossemos ligados à esfera de influência norte-americana, mas que também não nos alinhássemos com os soviéticos. Assim, havia a preocupação de manter relações com países de Terceiro Mundo, como os africanos.
            Foi baseada nessa Política Externa Independente que organizou-se uma expedição oficial à China comunista, com o vice-presidente João Goulart na comissão. E foi durante esse meio tempo que Jânio renunciou, mais precisamente em 25 de agosto de 1961. E aqui entra outro conceito ligado à França e a Jânio: o gaullismo. Charles de Gaulle já havia retirado-se da política quando em meio a uma crise em 1958 foi escolhido para voltar ao poder como primeiro-ministro. Jânio, ao renunciar imaginava que provocaria uma comoção nacional em torno de seu nome. Acreditava que a população iria aclama-lo para que ele permanecesse no poder, dessa vez com um Executivo bem mais fortalecido.
O caminhar do presidente reflete a sua política: ninguém
sabia para onde o governo de  Jânio rumava. No fim, acabou
em renúncia
            Por que isso aconteceria? O seu vice, João Goulart não tinha a confiança de setores conservadores e militares. Quando era ministro do Trabalho de Vargas, por exemplo, propôs um aumento de 100% no salário mínimo. Muitos o viam como comunista, ou simpatizante, coisa que Jango não era, e isso desagradava as elites. A crença de Jânio nisso até tinha fundamento, mas o clamor por sua volta não ocorreu. Nem Carlos Lacerda, opositor ferrenho do varguismo apoiou Jânio. Pelo contrário, um dia antes, em 24 de agosto, discursou na rádio denunciando uma tentativa de golpe do então presidente.
            Ainda que elementos da direita e militares tenham tentado impedir a posse de Jango, que voltava da China, esta foi garantida, como já dito, pela “Cadeia da Legalidade”. Liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola teve o apoio do III Exército e de boa parte da população porto-alegrense.
            Muitos veem Jânio como uma comédia, como “marxista no sentido do Groucho Marx”, ou ainda como um bêbado. Na verdade, isso parece ser fechar os olhos para a História. Jânio Quadros tinha pretensões golpistas e uma prática política que revelava desprezo pela democracia. Seu modo de cativar e se aproximar das massas, colocando-se como um deles, revela alguém que se aproveitou de um momento e de certas circunstâncias para chegar ao poder. Rir, ou debochar disso ainda hoje é perigoso.
            Jânio perdeu seus direitos políticos com o golpe de 1964. Mas com a volta da democracia, elegeu-se novamente prefeito de São Paulo em 1985, governando a cidade de 1986 até 1989, sem renunciar.

BIBLIOGRAFIA
BENEVIDES, Maria Victoria. O governo Jânio Quadros. São Paulo, Editora brasiliense, 1981.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo, Edusp, 2006.

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